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Estética Transcendental de Immanuel Kant

Comentários acerca da “Estética Transcendental” de Immanuel Kant (1724-1808)

Alexandre Fernandes Batista Costa Leite

1. Introdução

Devido a enorme influência de Kant na composição do pensamento filosófico, optei por fazer o trabalho no âmbito de sua Crítica da Razão Pura (CrP-1787-B); poderíamos dizer que esta influencia, ou mesmo, marca o nascimento da chamada Epistemologia, ou seja, Teoria do Conhecimento. Não estou a dizer que Kant foi o primeiro a elaborar perguntas acerca da fundamentação do conhecimento, mas sim que ele foi o principal pensador da dita “tradição” a realizar um projeto que questiona a própria possibilidade de conhecer, e é exatamente essa característica que inaugura o modo de pensar kantiano, ou seja, sua filosofia transcendental. Diferentemente do que acontecia nas questões do conhecimento, refiro-me às tentativas de fundamentar o conhecimento sem antes questionar sua própria possibilidade, Kant instaura perguntas sobre as condições de possibilidade do conhecimento em geral. Kant faz uma espécie de síntese das posturas racionalista, Descartes e Leibniz, e empirista, Hume.  Esses três filósofos são decisivos para a efetivação do labor de Kant. Mas a influência desses pensadores no trabalho de Kant escapa do alvo do atual trabalho.

O presente texto é uma tentativa, quiçá incauta, de expor as descrições dos conceitos utilizados por Kant em sua “Estética Transcendental”, bem como mostrar sua argumentação com o uso desses conceitos na primeira parte da “Doutrina Transcendental dos Elementos”, isto é, “Estética Transcendental”.

2. Desenvolvimento

O escopo do texto é duplo, como foi exposto na Introdução. Em primeiro lugar, a apresentação dos conceitos e em segundo lugar a estruturação da argumentação realizada com o uso dos mesmos conceitos.

Por Estética Transcendental Kant entende “uma ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori” .1

Por sensibilidade Kant entende ” a capacidade de obter representações mediante o modo como somos afetados por objetos” .2

Por conhecimento a priori Kant entende ” um tal conhecimento independente da experiência e mesmo de todas as impressões dos sentidos” .3

Por intuição Kant entende o modo como um conhecimento se refere imeditamente aos objetos.4.
“Aquela intuição que se refere ao objeto mediante sensação denomina-se empírica”  5


Por sensação Kant entende ” O efeito de um objeto sobre a capacidade de representação, na medida em que somos afetados pelo mesmo” .6
Por fenômeno Kant entende ” O objeto indeterminado de uma intuição empírica”7 . Os fenômenos tem uma matéria e uma forma, aquela é descrita como o que no fenômeno corresponde à sensação e esta como a ordenação do múltiplo dos fenômenos em determinadas relações.8  Assim, a matéria de todos os fenômenos só pode ser dada a posteriori; o que não é o caso para a forma dos fenômenos que estão na mente a priori, e isso faz com que ela seja considerada sem a preocupação com as sensações.9

Por representações puras Kant entende todas aquelas em que não for encontrado nada pertencente às sensações.10

E , por fim, Kant entende por intuição pura ou forma pura da sensibilidade aquela disposição que está na mente a priori; o a priori é aqui usado no sentido de inato, ou seja, como aquela estrutura que já nascemos com ela e desconhecemos sua origem.

Penso agora ser possível explicar a argumentação de Kant em sua “Estética Transcendental”, pois o modo que o uso dos conceitos será feito já foi elucidado. Se isso não tivesse acontecido, então correríamos o risco de usá-los de modo infracionário, ambíguo. Mesmo assim, tal risco não pode ser eliminado definitivamente, pois não se trata de uma linguagem formal, como a Matemática, por exemplo. Mas, contudo, a possibilidade desse equívoco acontecer fica reduzida.

Faz-se necessário, não no sentido lógico do termo, mas sim na sua acepção singela, expor o método da “Estética Transcendental” proposto por Kant para que compreendamos com maior facilidade o sentido de sua argumentação.


O método pode ser decomposto nas seguintes etapas:

a) isolar a sensibilidade com o intento de buscar a intuição empírica;

b) separar na intuição empírica tudo que pertence à sensação com o propósito de encontrar a intuição pura, pois esta é o único elemento que a sensibilidade pode fornecer a priori;

c) encontrar as formas puras da intuição sensível, são elas o espaço e o tempo.

Seguir o método acima exposto implica efetivar o objetivo da “Estética Transcendental”, pois esta é exatamente o conhecimento dos princípios da sensibilidade a priori.

Passemos agora à investigação da primeira forma da sensibilidade a priori, ou seja, o conceito de espaço. Seguirei a argumentação kantiana; isso significa que primeiro mostrarei a exposição metafísica desse conceito e depois sua exposição transcendental.

Por exposição metafísica de um conceito Kant entende a representação clara daquilo que pertence a um conceito e que o apresenta como dado a priori. Ficarei preso a apenas um argumento, na minha visão, essencial.

O espaço é forma pura da intuição sensível. Isso significa que o espaço é uma representação a priori, visto que é necessário para pensar qualquer objeto no campo de ação do sentido externo e está em nossa mente anteriormente a qualquer tipo de experiência. O espaço é condição de possibilidade dos fenômenos. Isso é deduzido porque não é possível pensar nenhum objeto fora do espaço, apesar de podermos pensar o espaço sem nenhum objeto. Se o espaço é condição de possibilidade do que aparece, então ele só pode ser dado e isso mostra que ele é a priori, pois é anterior a qualquer experiência e também serve de condição de possibilidade dos objetos. O espaço é, portanto, uma intuição pura “Pois a representação do espaço já tem estar subjacente para certas sensações se referirem a algo fora de mim, e igualmente para eu poder representá-las como fora de mim e uma ao lado da outra e por conseguinte não simplesmente como diferentes, mas como situadas em lugares diferentes. Logo, a representação do espaço não pode ser tomada emprestada, mediante a experiência, das relações do fenômeno externo, mas esta própria experiência externa é primeiramente possível só mediante referida representação” 11

Por exposição trancendental Kant entende “a explicação de um conceito como o princípio a partir do qual se possa compreender a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos a priori 12. Uma das perguntas substanciais da Crítica da Razão Pura é: Como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Um juízo é sintético quando o predicado não está contido no sujeito e, assim, é um juízo que acrescenta algo ao conhecimento. Um juízo é a priori quando é independente da experiência.
O conceito de juízo sintético a priori é obtido através da união das duas descrições acima acerca do juízo.

Kant tenta mostrar que a Geometria é uma ciência capaz de determinar de modo sintético e a priori as propriedades do espaço, pois ela é capaz de realizar tal fato desconectada de toda a percepção de um objeto e ainda acrescenta algo ao nosso conhecimento. Portanto, se é razoável explicar a possibilidade da Geometria, então a exposição do conceito de espaço é transcendental. O argumento da exposição transcendental é basicamente o mesmo da exposição metafísica.

Passemos agora à segunda forma da sensibilidade a priori, seja ela o conceito de tempo. Seguirei novamente o mesmo caminho de Kant, exposição metafísica e transcendental.

A exposição metafísica do conceito de tempo diz que ele é forma pura da intuição sensível porque tem que estar subjacente a priori para que a simultaneidade ou a sucessão de algo seja dada à percepção. Todos os fenômenos podem ser exterminados, mas não podemos fazer o mesmo com o tempo pois ele é condição de possibilidade para que “algo seja num mesmo tempo(simultâneo) ou em tempos diferentes (sucessivo)”

13 , isto é, é condição sem a qual não seria possível pensar os fenômenos em sua relação de causa e efeito, simultaneidade e sucessividade. Isso gera a idéia de que o conceito de tempo, como conceito de espaço, faz parte de nossa estrutura cognitiva e é dado mas desconhecemos sua origem.
A exposição transcendental do conceito de tempo afirma que ele é a possibilidade de um conhecimento sintético a priori para a doutrina geral do movimento, pois  ” se essa representação não fosse intuição (interna) a priori, nenhum conceito, seja qual for, poderia tornar compreensível a possibilidade de uma mudança, isto é, de uma ligação de predicados opostos contraditoriamente (por exemplo o ser e o não-ser de uma coisa no mesmo lugar) num e mesmo objeto. Somente no tempo, isto é sucessivamente, duas determinações podem ser encontradas numa coisa.” 14

Dessa forma, temos constituídas as duas formas da intuição sensível, são elas o espaço e o tempo. Estas formas fazem parte de nossa estrutura cognitiva e são condições de possibilidade para pensar os fenômenos em geral. Isso significa que espaço e tempo tem um realidade subjetiva, isto é, são inerentes ao sujeito do conhecimento, não obstante terem validade objetiva. É importante notar que tais conceitos só valem quando aplicados dentro dos limites da experiência possível, ou seja, no quadro dos objetos dos sentidos.



3. Conclusão

A “Estética Transcendental” é a primeira parte da jornada kantiana que tem o intento de desvendar como é possível o conhecimento e quais são os seus limites. Tal parte se ocupa da sensibilidade e tenta elucidar quais são suas formas a priori. Somente com essa parte o conhecimento não seria possível, pois ele surge da união da sensibilidade com o entendimento. A sensibilidade fornece as formas da intuição a priori e o entendimento fornece as categorias ou conceitos a priori que são responsáveis para a manipulação do múltiplo sensível que é dado.   Mas esse ponto está na “Lógica Transcendental” que, como sabemos, não foi objeto do trabalho, apesar da Crítica da Razão Pura ser um livro que pretendo carregar ao longo da vida, pois é uma construção teórica muito bem elaborada e, na minha opinião, o sistema filosófico mais importante da história da filosofia. Digo isso apesar de saber que nas discussões recentes sobre a linguagem a CrP não ter tanto peso. A CrP é um bom exemplo de construção teórico-conceitual capaz de resolver determinados problemas, um sistema de pensamento ou uma Arquitetônica da Razão Pura que não tem como não ser enfrentada por aqueles que pretendem viver no mundo do pensamento filosófico.

4. Bibliografia

* 1. Kant, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valerio Rohden e Udo Moosburger. Editora Nova Cultural, Coleção Os Pensadores. 1996.
* 2. Deleuze. A Filosofia Crítica de Kant. Tradução de Germiniano Franco. Edições 70. 1994
* 3. Popper, Karl. Conjecturas e Refutações( texto “Crítica e Cosmologia de Kant). Tradução de Sérgio bath. Editora UnB. 1994
* 4. Rorty, Richard. A Filosofia e o Espelho da Natureza. Tradução de Antônio Trânsito. Editora Relume- Dumará. 1994
* 5. Russell, Bertrand. História da Filosofia Ocidental( texto “Kant”). Tradução de Brenno Silveira. Editora UnB.

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