As meditações cartesianas e o nascimento da subjetividade moderna
por Miguel Duclós
Baseado nas anotações de aula da professora Marilena Chaui
Esse texto procura analisar o modo como Descartes formulou o problema da dúvida hiperbólica na primeira meditação e provou como a alma é mais fácil de conhecer do que o corpo, dando início assim ao nascimento do sujeito moderno, e gerando a semente do idealismo radical e solipsista.
O texto está ambientado no final do Renascimento, e o autor, como Bacon, procurava formular a base sólida e metódica da ciência moderna, mais enxuta e prática do que a medieval, esta baseada principalmente em Aristóteles. O Renascimento é geralmente considerado um período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna; sendo assim, os autores desse período não teriam características completas de nenhuma dessas idades. No entanto, a esse tempo pertencem autores do porte de More, Erasmo, Maquiavel e outros humanistas, cientistas como Galileu e Copérnico, artistas até hoje colocados entre os melhores do mundo (principalmente os italianos e os irmãos Van Eyck, que revolucionaram a pintura com a técnica a óleo), e por isso alguns estudiosos modernos resolveram interpretar o pensamento renascentista como um sistema completo e estruturado.
O racionalismo nessa época não era tão exacerbado, apesar de a razão já ter sido considerada o principal instrumento para conhecer o mundo. O universo era considerado, segundo o conceito de Semelhança, como um todo harmônico, cuja harmonia era feita por seres que se relacionam por amizade e ódio. Essas relações são a própria causa da compreensão de uma coisa por outra, de fato, devido a esse sentimento de totalidade, uma coisa é signo de outra.
Não pretendo entrar em detalhes de como estavam divididas as atividades do saber, a filosofia natural, a magia e a alquimia. Muitas correntes estavam em desacordo com outras, e o pensamento avançava, às vezes contraditório, às vezes indo contra a estrutura social retaliadora e centenária, em busca de um conhecimento não mais cíclico teocêntrico, mas sim de domínio sobre a natureza, da virtú contra a fortuna, antropocentrado, buscando conhecer o mundo ao redor através de leis comprovadas pela razão. Deus, nesse momento, é conhecido pela teologia, o cosmos pela astrologia, e o poder pela filosofia política, cujo maior exemplo é Maquiavel. O princípio arcano (arché= início, primórdio) é então dado como secreto e incognoscível. Giordano Bruno refuta a divisão do mundo como terreno (humano) e celeste (divino), e o declara infinito. Assim, todo o lugar é centro, e nenhum lugar é circunferência. Pagou preço caro por isso. A frase Sapere audi (Ousa saber) exemplifica bem a busca ousada por respostas novas.
A razão e a fé são campos diferentes de busca. Estiveram misturadas na teologia escolástica, mas Descartes declara, em seu Discurso do método para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências, que as verdades divinas estão além dos raciocínios comuns, e é necessário assistência divina e mesmo ser mais que um simples homem para ter acesso à revelação. É nessa primeira parte do discurso do método que Descartes explicita seu descontentamento com a forma como eram conduzidos a ciência e a filosofia pelos doutos senhores de Academias e escolásticos. A atividade social era muito importante para ser considerado digno. Muitas vezes, uma pessoa já conseguia a glória independente de sua personalidade ou valor pessoal, mas sim por ocupar certo cargo importante.
Mas vamos entender melhor as críticas às teorias aristotélicas. Aristóteles havia definido dez tipos de substâncias diferentes (qualidade, quantidade, relação, tempo, posse, lugar, ação, paixão, etc.). Uma substância é aquilo que existe em si e por si, sem depender de outra coisa. Todo o resto são os modos ou atributos das substâncias. A física aristotélica estudava o movimento, sendo movimento entendido como qualquer alteração. Tudo o que é matéria se move, pois é imperfeito, e está sujeito ao devir. O imperfeito aspira à perfeição, e o perfeito não muda. Para Aristóteles, só Deus não mudava. Seu Deus era assim, imóvel para si mesmo, causa primeira de tudo, não deseja nada, pois nada lhe falta. Os corpos podem ser pesados e leves, e são animados por um movimento eterno. A principal virtude é a amizade. Os seres se modificam segundo regras fixas, estabelecidas pela causa final (aquela da finalidade da mudança de um corpo). A inteligência (entelechia) se move em direção a um fim. No aristotelismo, as causas podem ser:
1.material
2.formal
3.eficiente
4.final
Com o surgimento da nova física moderna, de Kepler, Copérnico e Galileu, o aristotelismo cai por terra, com a prova de que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário.
Apenas a causa eficiente vai permanecer na filosofia moderna, e se tornar a lei da causalidade. Na causa eficiente deve haver tanta ou mais realidade que o efeito (conforme explicado por Descartes no início da 3ª meditação), e causa e o efeito devem ser da mesma natureza. E Descartes vai declarar viva apenas três substâncias: a extensa, o pensamento, e a divina.
Com toda essa reviravolta no que até então era considerado certo, e que servia de base para a educação do europeu, Descartes resolve abandonar esse ensino, e procurar a verdade no Grande Livro do Mundo. Depois de duvidar de tudo que tinha aprendido, encontrava-se nas trevas, sozinho. Ele precisava de um método para recomeçar a construir o caminho do conhecimento, ou pelo menos as bases dele. O método dá origem a um problema fundamental da filosofia moderna: o sujeito do conhecimento. Esse sujeito serve para controlar a razão nos ditames do conhecimento. A base de toda descoberta é um axioma tirado por intuição intelectual, mas para ir além dele se deve usar da dedução. A corrente dedutiva leva em conta a ordem das razões, isto é, a ordem como as coisas se apresentam ao entendimento em seus graus de simplicidade, e não a ordem das matérias, ou a ordem das coisas nelas mesmas. Para Descartes, o mais simples era o mais absoluto, por ser o mais universal. Até a modernidade, o objeto era considerado com características que deveriam imprimir no sujeito o conhecimento verdadeiro. Com Descartes, o sujeito deve buscar, através da razão, melhorar suas características para buscar o conhecimento verdadeiro. O método para se conduzir a razão está ligado à arte (ars), que como técnica, se opõe ao acaso. Deve ter regras simples e universais, e com o menor número de regras descobrir o maior número de coisas. Descartes tira da certeza da geometria, a noção de que é preciso um procedimento para conhecer. Daí a importância fundamental da ordem e da medida. O pensamento contínuo deve buscar uma proporção contínua, e ir aumentando gradualmente seu saber. Mas para não recorrer em erro, é preciso que se entenda ser o método necessário para a busca da verdade. A razão precisa de auxílio, e de disciplina. Uma das regras é a da enumeração. Os passos da cadeia de pensamentos devem ser repetidos várias vezes, até se aproximarem da certeza da dedução. O entendimento é o único capaz de conhecer, mas é auxiliado nessa tarefa pela memória e imaginação.
Para começar um conhecimento sólido e seguro, claro e distinto, devemos livrar nossas mentes das falsas certezas. Daí ser necessária a dúvida metódica e a meditação. O ato de meditar é um recolher-se em si mesmo, onde são passadas a limpo nossas próprias falhas, recapitulando noções marcantes, se afastando assim dos vícios corporais e buscando elevar a alma. O ato de duvidar não é à toa, mas vem por razões maduramente consideradas, tanto que Descartes só o fez quando já tinha esperado tanto a hora certa, que não mais poderia fazer novamente. A dúvida cartesiana não é cética, pois o cético não acredita ser o homem capaz de ver qualquer verdade. Antes disso, a dúvida é um instrumento epistemológico, um recurso que o sujeito do conhecimento tem a seu dispor.
O que é duvidoso é aquilo a respeito do qual eu posso perguntar ser de uma maneira diferente. Ou seja, pode ser considerado possível ilusão aquilo que é inseguro. Todo o processo passível de dúvida gera uma série de conhecimentos que estão na alçada da dúvida. A dúvida não é idiossincrática, mas trata dos alicerces e bases do conhecimento. A primeira meditação é conhecida como a da dúvida hiperbólica, exagerada. A primeira dúvida é a dos sentidos. Os sentidos algumas vezes são enganosos. Para validar a dúvida dos sentidos, Descartes retoma o argumento dos sonho. Não sabe se está sonhando ou acordado. Afinal estou aqui nesta cadeira, mas muitas vezes tive impressão de algo com aparência semelhante quando estava sonhando. Ou seja, você é iludido durante o sonho achando que está acordado. Daí a importância fundamental de se perceber estar em um sonho e a começar a explorar o espaço-éter. Como todos sonham, o argumento do sonho é válido, e o meditante não está louco, como os mendigos que juram estar cobertos por ouro.
O sexto parágrafo apresenta a comparação muito interessante entre a pintura e os sonhos. Diz nosso autor que os sonhos são como quadros e pinturas, e não podem ser formados senão à semelhança de algo real e verdadeiro. Os pintores usam de todo o artifício para fazer uma forma inteiramente nova, mas tudo o que conseguem é combinar misturar. A palavra artifício significa justamente isso, combinar e compor com o que já existe na natureza. A palavra facio está ligada a factum (feito) e fictum, essa última ligada a fingio, ligada a ficio. O artista, através de sua técnica, cria uma ficção, uma quimera (chimaera), como no caso de sátiros e sereias. É a combinação heterogênea de uma coisa por outras coisas, é só pode ser entendida como representação, muitas vezes só pode ser dita e não pensada. A dúvida encontra seu limite nos sétimo e oitavo parágrafos. Não é permitido duvidar das naturezas simples das percepções, como o espaço e o tempo, figura, etc. A geometria e aritmética, que trata de coisas simples e universais não estão sujeitas a dúvidas. Para resolver esse impasse, Descartes diz ter a opinião (não certeza ainda na 1ª meditação) de que existe um Deus e levanta a possibilidade de ser Ele enganador: “Ora, quem me poderá assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar, e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir de maneira diferente da que vejo?”. Tal Deus é considerado bom pelos cristãos, mas mesmo assim permite que certas vezes se engane, de tal forma que é possível pensar que talvez se engane nas coisas mais simples possíveis. Esse argumento não é novo, já o encontramos antes em alguns céticos, como Guilherme de Ockan. Se sou o efeito de uma causa divina, como poderia me enganar? Pois causa e efeito tem de ser da mesma natureza, segundo a causa eficiente. Ockam se insurgiu contra o tomismo, onde Deus cria as coisas que já estavam no seu intelecto por liberdade (contingência), ato de sua infinita vontade. Para Ockam não existe essência universal, pois o universal é abstração do singular. Esse Deus seria onipotente, e por isso cria o princípio da identidade e da não contradição. Mas se faz isso porque quer, nada o impede de criar outras coisas, como a contradição. Deus cria o singular e não o universal. Antes se sermos o todo, somos sujeitos percebendo e significando o mundo de maneira única. A explicação para não estar tudo ligado, seria o fato de que Deus pode aniquilar qualquer singular, sem afetar o geral. Aniquilar significa fazer voltar ao nada.
Descartes fala que se algumas pessoas não acreditarem em um ser tão onipotente assim, devem considerar que enganar é imperfeição, e quanto menos poderoso Deus for, mais chance terá de me enganar. As pessoas atribuíram “ter eu chegado ao estado e ao ser que possuo” :
1. a algum destino ou fatalidade. Esta é uma perspectiva histórica da filosofia , a noção de que as coisas se ligam assim é pertencente aos estóicos, e combatidas no século XVII. Cada coisa, para os estóicos, seria regida por leis naturais e necessárias, pois fazem parte da chama divina e universal. Nossa causa não é livre, mas determinada por outras. A palavra fatalidade vem de factum, que significa fado.
2. ao acaso: posição dos epicuristas, que diziam ser o mundo formado por átomos que se conectam e desconectam ao acaso.
3. por conexão das coisas, ou seja, a potência ordenada de Deus.
Continuando com a suposição de que Deus cria singulares, e não universais, quem poderá garantir que o que se vê é o que existe? Afinal, não há ordem universal.
Por prudência, Descartes resolve desconfiar da existência de um Deus assim. A prudência é uma das virtudes clássicas, e está ligada à moral. Descartes formula nesse trecho uma moral provisória.
No parágrafo onze, Descartes fala da necessidade de lembrar dos resultados de sua meditação. Pois pelo costume crenças e opiniões familiares ganharam um direito sobre ele, o de ocupar seu espírito. É apresentado o risco da heteronomia de pensamento, ao invés de uma autonomia. Para escapar disso, é necessário recordar os resultados da dúvida. O recordar é um lembrar voluntário, um esforço da mente. Já a força do costume, o hábito, é uma segunda natureza, mais falsa que a primeira. Descartes prefere, ao invés dessa heteronomia, um auto-engano que utilizará até seu pré-juízo se transformar em juízo. A meditação, por ser espiritual, tomou um rumo que diferia muito da vida prática, e agora essa vida trata de cobrar suas dívidas. Nesse ponto, é feita distinção entre agir e conhecer. A auto-enganação tem a função de fazer assombroso espectro do Deus enganador se tornar uma hipótese, mudando assim de estatura, passar de opinião forte a vaga hipótese. Fica explícito então o poderio da vontade do sujeito.
A nova hipótese é o gênio maligno, também ardiloso e enganador, um diabrete que influi em nossas sensações, enganando-nos. A diferença entre o Deus Enganador e o gênio maligno é que um age no espírito, e o outro no corpo. Mas Descartes desconfia do seu corpo, das sensações. Nada existe e o corpo também não, assim o gênio maligno também perde importância.
Descartes termina a primeira meditação demonstrando preguiça, um dos sete pecados capitais. É como um escravo que pensa ser livre. Com a meditação interrompeu-se o fluxo das coisas ilusórias, e hipóteses assustadoras foram levantadas na mente do meditante. Mas a segunda natureza soterra esse movimento de interiorização de busca da primeira natureza. Isso lembra os prisioneiros da caverna de Platão, que acreditavam serem livres e estarem vendo tudo o que existe, e um deles se solta em busca da luz, simbolizada pelo Sol. É no Fédon que Platão diz que a luz divina se transforma em matéria sem luz. Para os cristãos, Deus é a luz e a alma pode receber essa luz (lux-luz , lumem-objeto iluminado), que pode ser natural (razão) ou supranatural, concedida pela graça divina (fé). Já para os neoplatônicos, o Uno (incognoscível e eterno), emana luz, o intelecto, da onde saí o inteligível, que emana as coisas. É de se notar que a primeira meditação termina de forma a exigir a segunda.
A afirmação de que o espírito é mais fácil de conhecer do que o corpo foi escandalosa no ponto de vista da tradição filosófica. Essa afirmação inaugura a filosofia moderna. Na tradição filosófica, o espírito era mais digno, mas não mais fácil de se conhecer do que o corpo. A 2ª meditação começa com uma recapitulação da anterior, e passa para um sentimento de angústia. Descartes diz não ser mais capaz de esquecer as dúvidas a que chegara no dia anterior, e se sente como em um abismo. Nesse ponto, há uma parada: ou a nova ciência surgirá, ou o ceticismo estará justificado.
Descartes faz uma analogia entre si próprio e Arquimedes. Arquimedes precisava apenas de um ponto fixo, para que, usando a alavanca, conseguisse mover o mundo de lugar. Descartes procura ao menos uma verdade que seja certa e indubitável. Com a geometrização do espaço e a infinitização do universo, havíamos perdido o centro. Descartes procurava um ponto fixo, ou seja, uma base sólida onde pudesse erguer seu palácio do conhecimento. Pergunta Descartes: “O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não ser que não há nada de certo”. Descartes começa a hesitar, coisa que antes não havia acontecido. Nesse recurso literário, expõe sua dúvida sobre se depender ou não do corpo para existir. Porém, a brecha é aberta, quando ele descobre que para receber a ação do Deus Enganador, precisa ser. Ele não pode deixar de ser enquanto receber a ação do Deus Enganador. Essa é uma primeira afirmação verdadeira: “Eu sou, existo”. Ela é verdadeira toda a vez que a concebo em meu espírito. Ou seja, a frase é verdadeira em um sentido atual, não potencial. Ele ainda não demonstrou nada além disso, e deve ter cuidado para não atribuir ao ser outra coisa que não ele mesmo. Assim, para conservar a primeira evidência, é preciso atenção.
Conhecer está ligado a perceber, que está ligado a ver. Esse ver pode ser com os olhos do corpo e com os olhos do espírito. Com os olhos do espírito eu tenho uma intuição intelectual, vejo com certeza, entendo, vejo a coisa na sua totalidade. A mathema acreditava que o espírito podia apreender de uma só vez o objeto em sua inteireza. E quando se vê completamente, se tem a evidência. Já a atenção é a atividade intelectual que busca a evidência, a afirmação de que só conhecemos o que é claro e distinto, e a exigência de que devemos começar por coisas mais simples. Para o juízo não cair em erro, é necessário a atenção. Mas o que é esse “eu que existe”? Esta é uma indagação metafísica. Descartes refuta a concepção clássica de homem por Aristóteles e os tomistas, a de que o homem é um animal racional. Pois perguntando-se o que é racional, cairia-se em questões mais complicadas e indesejáveis no momento.
A primeira evidência veio enquanto o meditante estava pensando, e se torna verdadeira toda vez que em um ato atual, ele a concebe em seu espírito. As coisas vieram conforme as ordens do pensamento, e ele foi quem deu a medida. Descartes diz- e aí ele volta o verbo ao passado- que considerava o corpo uma máquina composta de ossos e carne. A alma seria feita de éter, um corpo sutil, rarefeito, algo como um vento ou uma flâmula tênue. Para Platão, alma podia ser temperante (desejos), irascível (coração) e racional. Para os estóicos, era um sopro sutil. Para Aristóteles, há quatro almas: vegetativa, locomotiva, sensitiva e intelectiva. Descartes fica com o quarto tipo de alma, o pensamento. O pensamento é, para Descartes, ao mesmo tempo alma e espírito. Sob a mira do Ser ardiloso e poderoso que emprega todas a sua indústria a enganar, Descartes diz não poder estar tão certo da natureza das coisas corpóreas. Depois de falar o que não pertence ao seu ser, Descartes dá a resposta para a pergunta “o que sou?”, que é: “uma coisa que pensa” (res cogitans). E uma coisa que pensa é uma coisa que concebe, que duvida, que afirma, nega, quer, imagina e que sente.
Nesse ponto interromperei a exposição pois já atingi o objetivo proposto. A certeza do Cogito cartesiano inaugura o sujeito moderno, dando importância fundamental ao ser que pensa, em oposição a um Deus que pode enganar-me. A força do pensamento subjetivo é tal que Descartes chega a duvidar que as pessoas que ele vê andando vestidas na rua não sejam autômatos movidos por mola. Tal afirmação tem um tom solipsista. Foi exposto também como é problematizado o sujeito do conhecimento, que com ordem e medida, procura conhecer as coisas em sua inteireza. Descartes falará então das outras duas substâncias, a extensa, onde se tornou famoso seu exemplo da cera que muda muito mas não deixa de ser extensa, e a divina. Tentará provar que Deus existe e não é mal, mas pelo contrário, ajuda a transpor o abismo entre o sujeito e o objeto.
BIBLIOGRAFIA
1. Anotações da aula da professora Marilena de Souza Chauí
2. Descartes, René. Volume da coleção Os Pensadores, editora Nova Cultural, São Paulo SP. Livro usados nesse volume: Discurso do método para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências e Meditações concernentes à Primeira Filosofia nas quais a existência de Deus e a Distinção Real entre a Alma e o Corpo do homem são demonstradas
3.Cottinghan, John. Dicionário Descartes Editora Zahar
4.Chauí, Marilena Primeira filosofia Artigo sobre filosofia moderna
5. Descartes, René. Regras para a direção do espírito. Edições 70. Portugal, Lisboa.
Baseado nas anotações de aula da professora Marilena Chaui
Esse texto procura analisar o modo como Descartes formulou o problema da dúvida hiperbólica na primeira meditação e provou como a alma é mais fácil de conhecer do que o corpo, dando início assim ao nascimento do sujeito moderno, e gerando a semente do idealismo radical e solipsista.
O texto está ambientado no final do Renascimento, e o autor, como Bacon, procurava formular a base sólida e metódica da ciência moderna, mais enxuta e prática do que a medieval, esta baseada principalmente em Aristóteles. O Renascimento é geralmente considerado um período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna; sendo assim, os autores desse período não teriam características completas de nenhuma dessas idades. No entanto, a esse tempo pertencem autores do porte de More, Erasmo, Maquiavel e outros humanistas, cientistas como Galileu e Copérnico, artistas até hoje colocados entre os melhores do mundo (principalmente os italianos e os irmãos Van Eyck, que revolucionaram a pintura com a técnica a óleo), e por isso alguns estudiosos modernos resolveram interpretar o pensamento renascentista como um sistema completo e estruturado.
O racionalismo nessa época não era tão exacerbado, apesar de a razão já ter sido considerada o principal instrumento para conhecer o mundo. O universo era considerado, segundo o conceito de Semelhança, como um todo harmônico, cuja harmonia era feita por seres que se relacionam por amizade e ódio. Essas relações são a própria causa da compreensão de uma coisa por outra, de fato, devido a esse sentimento de totalidade, uma coisa é signo de outra.
Não pretendo entrar em detalhes de como estavam divididas as atividades do saber, a filosofia natural, a magia e a alquimia. Muitas correntes estavam em desacordo com outras, e o pensamento avançava, às vezes contraditório, às vezes indo contra a estrutura social retaliadora e centenária, em busca de um conhecimento não mais cíclico teocêntrico, mas sim de domínio sobre a natureza, da virtú contra a fortuna, antropocentrado, buscando conhecer o mundo ao redor através de leis comprovadas pela razão. Deus, nesse momento, é conhecido pela teologia, o cosmos pela astrologia, e o poder pela filosofia política, cujo maior exemplo é Maquiavel. O princípio arcano (arché= início, primórdio) é então dado como secreto e incognoscível. Giordano Bruno refuta a divisão do mundo como terreno (humano) e celeste (divino), e o declara infinito. Assim, todo o lugar é centro, e nenhum lugar é circunferência. Pagou preço caro por isso. A frase Sapere audi (Ousa saber) exemplifica bem a busca ousada por respostas novas.
A razão e a fé são campos diferentes de busca. Estiveram misturadas na teologia escolástica, mas Descartes declara, em seu Discurso do método para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências, que as verdades divinas estão além dos raciocínios comuns, e é necessário assistência divina e mesmo ser mais que um simples homem para ter acesso à revelação. É nessa primeira parte do discurso do método que Descartes explicita seu descontentamento com a forma como eram conduzidos a ciência e a filosofia pelos doutos senhores de Academias e escolásticos. A atividade social era muito importante para ser considerado digno. Muitas vezes, uma pessoa já conseguia a glória independente de sua personalidade ou valor pessoal, mas sim por ocupar certo cargo importante.
Mas vamos entender melhor as críticas às teorias aristotélicas. Aristóteles havia definido dez tipos de substâncias diferentes (qualidade, quantidade, relação, tempo, posse, lugar, ação, paixão, etc.). Uma substância é aquilo que existe em si e por si, sem depender de outra coisa. Todo o resto são os modos ou atributos das substâncias. A física aristotélica estudava o movimento, sendo movimento entendido como qualquer alteração. Tudo o que é matéria se move, pois é imperfeito, e está sujeito ao devir. O imperfeito aspira à perfeição, e o perfeito não muda. Para Aristóteles, só Deus não mudava. Seu Deus era assim, imóvel para si mesmo, causa primeira de tudo, não deseja nada, pois nada lhe falta. Os corpos podem ser pesados e leves, e são animados por um movimento eterno. A principal virtude é a amizade. Os seres se modificam segundo regras fixas, estabelecidas pela causa final (aquela da finalidade da mudança de um corpo). A inteligência (entelechia) se move em direção a um fim. No aristotelismo, as causas podem ser:
1.material
2.formal
3.eficiente
4.final
Com o surgimento da nova física moderna, de Kepler, Copérnico e Galileu, o aristotelismo cai por terra, com a prova de que é a Terra que gira em torno do Sol, e não o contrário.
Apenas a causa eficiente vai permanecer na filosofia moderna, e se tornar a lei da causalidade. Na causa eficiente deve haver tanta ou mais realidade que o efeito (conforme explicado por Descartes no início da 3ª meditação), e causa e o efeito devem ser da mesma natureza. E Descartes vai declarar viva apenas três substâncias: a extensa, o pensamento, e a divina.
Com toda essa reviravolta no que até então era considerado certo, e que servia de base para a educação do europeu, Descartes resolve abandonar esse ensino, e procurar a verdade no Grande Livro do Mundo. Depois de duvidar de tudo que tinha aprendido, encontrava-se nas trevas, sozinho. Ele precisava de um método para recomeçar a construir o caminho do conhecimento, ou pelo menos as bases dele. O método dá origem a um problema fundamental da filosofia moderna: o sujeito do conhecimento. Esse sujeito serve para controlar a razão nos ditames do conhecimento. A base de toda descoberta é um axioma tirado por intuição intelectual, mas para ir além dele se deve usar da dedução. A corrente dedutiva leva em conta a ordem das razões, isto é, a ordem como as coisas se apresentam ao entendimento em seus graus de simplicidade, e não a ordem das matérias, ou a ordem das coisas nelas mesmas. Para Descartes, o mais simples era o mais absoluto, por ser o mais universal. Até a modernidade, o objeto era considerado com características que deveriam imprimir no sujeito o conhecimento verdadeiro. Com Descartes, o sujeito deve buscar, através da razão, melhorar suas características para buscar o conhecimento verdadeiro. O método para se conduzir a razão está ligado à arte (ars), que como técnica, se opõe ao acaso. Deve ter regras simples e universais, e com o menor número de regras descobrir o maior número de coisas. Descartes tira da certeza da geometria, a noção de que é preciso um procedimento para conhecer. Daí a importância fundamental da ordem e da medida. O pensamento contínuo deve buscar uma proporção contínua, e ir aumentando gradualmente seu saber. Mas para não recorrer em erro, é preciso que se entenda ser o método necessário para a busca da verdade. A razão precisa de auxílio, e de disciplina. Uma das regras é a da enumeração. Os passos da cadeia de pensamentos devem ser repetidos várias vezes, até se aproximarem da certeza da dedução. O entendimento é o único capaz de conhecer, mas é auxiliado nessa tarefa pela memória e imaginação.
Para começar um conhecimento sólido e seguro, claro e distinto, devemos livrar nossas mentes das falsas certezas. Daí ser necessária a dúvida metódica e a meditação. O ato de meditar é um recolher-se em si mesmo, onde são passadas a limpo nossas próprias falhas, recapitulando noções marcantes, se afastando assim dos vícios corporais e buscando elevar a alma. O ato de duvidar não é à toa, mas vem por razões maduramente consideradas, tanto que Descartes só o fez quando já tinha esperado tanto a hora certa, que não mais poderia fazer novamente. A dúvida cartesiana não é cética, pois o cético não acredita ser o homem capaz de ver qualquer verdade. Antes disso, a dúvida é um instrumento epistemológico, um recurso que o sujeito do conhecimento tem a seu dispor.
O que é duvidoso é aquilo a respeito do qual eu posso perguntar ser de uma maneira diferente. Ou seja, pode ser considerado possível ilusão aquilo que é inseguro. Todo o processo passível de dúvida gera uma série de conhecimentos que estão na alçada da dúvida. A dúvida não é idiossincrática, mas trata dos alicerces e bases do conhecimento. A primeira meditação é conhecida como a da dúvida hiperbólica, exagerada. A primeira dúvida é a dos sentidos. Os sentidos algumas vezes são enganosos. Para validar a dúvida dos sentidos, Descartes retoma o argumento dos sonho. Não sabe se está sonhando ou acordado. Afinal estou aqui nesta cadeira, mas muitas vezes tive impressão de algo com aparência semelhante quando estava sonhando. Ou seja, você é iludido durante o sonho achando que está acordado. Daí a importância fundamental de se perceber estar em um sonho e a começar a explorar o espaço-éter. Como todos sonham, o argumento do sonho é válido, e o meditante não está louco, como os mendigos que juram estar cobertos por ouro.
O sexto parágrafo apresenta a comparação muito interessante entre a pintura e os sonhos. Diz nosso autor que os sonhos são como quadros e pinturas, e não podem ser formados senão à semelhança de algo real e verdadeiro. Os pintores usam de todo o artifício para fazer uma forma inteiramente nova, mas tudo o que conseguem é combinar misturar. A palavra artifício significa justamente isso, combinar e compor com o que já existe na natureza. A palavra facio está ligada a factum (feito) e fictum, essa última ligada a fingio, ligada a ficio. O artista, através de sua técnica, cria uma ficção, uma quimera (chimaera), como no caso de sátiros e sereias. É a combinação heterogênea de uma coisa por outras coisas, é só pode ser entendida como representação, muitas vezes só pode ser dita e não pensada. A dúvida encontra seu limite nos sétimo e oitavo parágrafos. Não é permitido duvidar das naturezas simples das percepções, como o espaço e o tempo, figura, etc. A geometria e aritmética, que trata de coisas simples e universais não estão sujeitas a dúvidas. Para resolver esse impasse, Descartes diz ter a opinião (não certeza ainda na 1ª meditação) de que existe um Deus e levanta a possibilidade de ser Ele enganador: “Ora, quem me poderá assegurar que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar, e que, não obstante, eu tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir de maneira diferente da que vejo?”. Tal Deus é considerado bom pelos cristãos, mas mesmo assim permite que certas vezes se engane, de tal forma que é possível pensar que talvez se engane nas coisas mais simples possíveis. Esse argumento não é novo, já o encontramos antes em alguns céticos, como Guilherme de Ockan. Se sou o efeito de uma causa divina, como poderia me enganar? Pois causa e efeito tem de ser da mesma natureza, segundo a causa eficiente. Ockam se insurgiu contra o tomismo, onde Deus cria as coisas que já estavam no seu intelecto por liberdade (contingência), ato de sua infinita vontade. Para Ockam não existe essência universal, pois o universal é abstração do singular. Esse Deus seria onipotente, e por isso cria o princípio da identidade e da não contradição. Mas se faz isso porque quer, nada o impede de criar outras coisas, como a contradição. Deus cria o singular e não o universal. Antes se sermos o todo, somos sujeitos percebendo e significando o mundo de maneira única. A explicação para não estar tudo ligado, seria o fato de que Deus pode aniquilar qualquer singular, sem afetar o geral. Aniquilar significa fazer voltar ao nada.
Descartes fala que se algumas pessoas não acreditarem em um ser tão onipotente assim, devem considerar que enganar é imperfeição, e quanto menos poderoso Deus for, mais chance terá de me enganar. As pessoas atribuíram “ter eu chegado ao estado e ao ser que possuo” :
1. a algum destino ou fatalidade. Esta é uma perspectiva histórica da filosofia , a noção de que as coisas se ligam assim é pertencente aos estóicos, e combatidas no século XVII. Cada coisa, para os estóicos, seria regida por leis naturais e necessárias, pois fazem parte da chama divina e universal. Nossa causa não é livre, mas determinada por outras. A palavra fatalidade vem de factum, que significa fado.
2. ao acaso: posição dos epicuristas, que diziam ser o mundo formado por átomos que se conectam e desconectam ao acaso.
3. por conexão das coisas, ou seja, a potência ordenada de Deus.
Continuando com a suposição de que Deus cria singulares, e não universais, quem poderá garantir que o que se vê é o que existe? Afinal, não há ordem universal.
Por prudência, Descartes resolve desconfiar da existência de um Deus assim. A prudência é uma das virtudes clássicas, e está ligada à moral. Descartes formula nesse trecho uma moral provisória.
No parágrafo onze, Descartes fala da necessidade de lembrar dos resultados de sua meditação. Pois pelo costume crenças e opiniões familiares ganharam um direito sobre ele, o de ocupar seu espírito. É apresentado o risco da heteronomia de pensamento, ao invés de uma autonomia. Para escapar disso, é necessário recordar os resultados da dúvida. O recordar é um lembrar voluntário, um esforço da mente. Já a força do costume, o hábito, é uma segunda natureza, mais falsa que a primeira. Descartes prefere, ao invés dessa heteronomia, um auto-engano que utilizará até seu pré-juízo se transformar em juízo. A meditação, por ser espiritual, tomou um rumo que diferia muito da vida prática, e agora essa vida trata de cobrar suas dívidas. Nesse ponto, é feita distinção entre agir e conhecer. A auto-enganação tem a função de fazer assombroso espectro do Deus enganador se tornar uma hipótese, mudando assim de estatura, passar de opinião forte a vaga hipótese. Fica explícito então o poderio da vontade do sujeito.
A nova hipótese é o gênio maligno, também ardiloso e enganador, um diabrete que influi em nossas sensações, enganando-nos. A diferença entre o Deus Enganador e o gênio maligno é que um age no espírito, e o outro no corpo. Mas Descartes desconfia do seu corpo, das sensações. Nada existe e o corpo também não, assim o gênio maligno também perde importância.
Descartes termina a primeira meditação demonstrando preguiça, um dos sete pecados capitais. É como um escravo que pensa ser livre. Com a meditação interrompeu-se o fluxo das coisas ilusórias, e hipóteses assustadoras foram levantadas na mente do meditante. Mas a segunda natureza soterra esse movimento de interiorização de busca da primeira natureza. Isso lembra os prisioneiros da caverna de Platão, que acreditavam serem livres e estarem vendo tudo o que existe, e um deles se solta em busca da luz, simbolizada pelo Sol. É no Fédon que Platão diz que a luz divina se transforma em matéria sem luz. Para os cristãos, Deus é a luz e a alma pode receber essa luz (lux-luz , lumem-objeto iluminado), que pode ser natural (razão) ou supranatural, concedida pela graça divina (fé). Já para os neoplatônicos, o Uno (incognoscível e eterno), emana luz, o intelecto, da onde saí o inteligível, que emana as coisas. É de se notar que a primeira meditação termina de forma a exigir a segunda.
A afirmação de que o espírito é mais fácil de conhecer do que o corpo foi escandalosa no ponto de vista da tradição filosófica. Essa afirmação inaugura a filosofia moderna. Na tradição filosófica, o espírito era mais digno, mas não mais fácil de se conhecer do que o corpo. A 2ª meditação começa com uma recapitulação da anterior, e passa para um sentimento de angústia. Descartes diz não ser mais capaz de esquecer as dúvidas a que chegara no dia anterior, e se sente como em um abismo. Nesse ponto, há uma parada: ou a nova ciência surgirá, ou o ceticismo estará justificado.
Descartes faz uma analogia entre si próprio e Arquimedes. Arquimedes precisava apenas de um ponto fixo, para que, usando a alavanca, conseguisse mover o mundo de lugar. Descartes procura ao menos uma verdade que seja certa e indubitável. Com a geometrização do espaço e a infinitização do universo, havíamos perdido o centro. Descartes procurava um ponto fixo, ou seja, uma base sólida onde pudesse erguer seu palácio do conhecimento. Pergunta Descartes: “O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não ser que não há nada de certo”. Descartes começa a hesitar, coisa que antes não havia acontecido. Nesse recurso literário, expõe sua dúvida sobre se depender ou não do corpo para existir. Porém, a brecha é aberta, quando ele descobre que para receber a ação do Deus Enganador, precisa ser. Ele não pode deixar de ser enquanto receber a ação do Deus Enganador. Essa é uma primeira afirmação verdadeira: “Eu sou, existo”. Ela é verdadeira toda a vez que a concebo em meu espírito. Ou seja, a frase é verdadeira em um sentido atual, não potencial. Ele ainda não demonstrou nada além disso, e deve ter cuidado para não atribuir ao ser outra coisa que não ele mesmo. Assim, para conservar a primeira evidência, é preciso atenção.
Conhecer está ligado a perceber, que está ligado a ver. Esse ver pode ser com os olhos do corpo e com os olhos do espírito. Com os olhos do espírito eu tenho uma intuição intelectual, vejo com certeza, entendo, vejo a coisa na sua totalidade. A mathema acreditava que o espírito podia apreender de uma só vez o objeto em sua inteireza. E quando se vê completamente, se tem a evidência. Já a atenção é a atividade intelectual que busca a evidência, a afirmação de que só conhecemos o que é claro e distinto, e a exigência de que devemos começar por coisas mais simples. Para o juízo não cair em erro, é necessário a atenção. Mas o que é esse “eu que existe”? Esta é uma indagação metafísica. Descartes refuta a concepção clássica de homem por Aristóteles e os tomistas, a de que o homem é um animal racional. Pois perguntando-se o que é racional, cairia-se em questões mais complicadas e indesejáveis no momento.
A primeira evidência veio enquanto o meditante estava pensando, e se torna verdadeira toda vez que em um ato atual, ele a concebe em seu espírito. As coisas vieram conforme as ordens do pensamento, e ele foi quem deu a medida. Descartes diz- e aí ele volta o verbo ao passado- que considerava o corpo uma máquina composta de ossos e carne. A alma seria feita de éter, um corpo sutil, rarefeito, algo como um vento ou uma flâmula tênue. Para Platão, alma podia ser temperante (desejos), irascível (coração) e racional. Para os estóicos, era um sopro sutil. Para Aristóteles, há quatro almas: vegetativa, locomotiva, sensitiva e intelectiva. Descartes fica com o quarto tipo de alma, o pensamento. O pensamento é, para Descartes, ao mesmo tempo alma e espírito. Sob a mira do Ser ardiloso e poderoso que emprega todas a sua indústria a enganar, Descartes diz não poder estar tão certo da natureza das coisas corpóreas. Depois de falar o que não pertence ao seu ser, Descartes dá a resposta para a pergunta “o que sou?”, que é: “uma coisa que pensa” (res cogitans). E uma coisa que pensa é uma coisa que concebe, que duvida, que afirma, nega, quer, imagina e que sente.
Nesse ponto interromperei a exposição pois já atingi o objetivo proposto. A certeza do Cogito cartesiano inaugura o sujeito moderno, dando importância fundamental ao ser que pensa, em oposição a um Deus que pode enganar-me. A força do pensamento subjetivo é tal que Descartes chega a duvidar que as pessoas que ele vê andando vestidas na rua não sejam autômatos movidos por mola. Tal afirmação tem um tom solipsista. Foi exposto também como é problematizado o sujeito do conhecimento, que com ordem e medida, procura conhecer as coisas em sua inteireza. Descartes falará então das outras duas substâncias, a extensa, onde se tornou famoso seu exemplo da cera que muda muito mas não deixa de ser extensa, e a divina. Tentará provar que Deus existe e não é mal, mas pelo contrário, ajuda a transpor o abismo entre o sujeito e o objeto.
BIBLIOGRAFIA
1. Anotações da aula da professora Marilena de Souza Chauí
2. Descartes, René. Volume da coleção Os Pensadores, editora Nova Cultural, São Paulo SP. Livro usados nesse volume: Discurso do método para bem conduzir a razão e procurar a verdade nas ciências e Meditações concernentes à Primeira Filosofia nas quais a existência de Deus e a Distinção Real entre a Alma e o Corpo do homem são demonstradas
3.Cottinghan, John. Dicionário Descartes Editora Zahar
4.Chauí, Marilena Primeira filosofia Artigo sobre filosofia moderna
5. Descartes, René. Regras para a direção do espírito. Edições 70. Portugal, Lisboa.
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